segunda-feira, 2 de março de 2009

A transposição do Velho Chico para os nordestinos







Alguns assuntos nos acompanham até nas nossas férias. A transposição do Rio São Francisco foi um desses casos. Também não podia ser diferente, para quem está em Alagoas, onde o rio tem sua foz, na divisa com Sergipe.
Vou passar um dia na Foz do São Francisco, em Piaçabuçú, que significa palmeira grande. Esta cidade do litoral sul alagoano é onde o rio se encontra com o Oceano Atlântico. Do lado de Sergipe está a cidade de Brejo Grande.
É um passeio imperdível, uma hora navegando pelo São Francisco, em direção ao mar, apreciando as águas verdes do rio e ouvindo estórias do guia, morador de Piaçabuçú.
Ao longo das margens dá para constatar a degradação do Velho Chico: erosões, dunas, assoreamento. O Chico está realmente morrendo.
Daí se aprende na prática o que significa a revitalização para o Rio da Integração Nacional. Revitalização que todos querem, ao contrário da transposição, que ninguém quer, só o governo e os empresários da obra bilionária.
Na ida para Piaçabuçú, a guia toca de leve no assunto, criticando a obra "que os nordestinos não querem". Eu emendo, lá do fundo onde estou sentada: "os mineiros também não".
O rio já foi um colosso que avançava 15 metros mar adentro. Hoje, suas águas enfraquecidas, não chegam mais do que 3,5 metros dentro do Atlântico.
Em compensação, o mar vem avançando mais e mais. Hoje já chega a penetrar 110 metros no leito do rio. E a consequência é o desaparecimento de cidades ribeirinhas, como a de Cabeço, em Sergipe, onde só resta hoje, a ponta de um farol que ficava na praia. E os ribeirinhos vão se mudando para mais longe.
E quase já não vivem da pesca mais, como Manoel, com quem eu converso do lado alagoano, apesar de ele ser sergipano. Vivem de vender as cocadas e as imagens de barro, sobretudo São Francisco, para os turistas que as agências despejam nas dunas.
Manoel diz que ouviu falar da transposição e que não vai ser bom para eles: "tirar água do rio é ruim, vai acabar com a pesca", sentencia.
E, na sua simplicidade, toca no ponto primordial da questão: o rio está fraco, "as águas não conseguem varrer o fundo, que tem muito capim, vegetação prendendo as redes de pesca. Quando o rio era forte, as águas puxavam este mato que boiava rio afora".
Resumindo: o rio precisa ser desassoreado.
As dunas móveis são a linda resposta da natureza ao assoreamento, consequência da remoção das matas ciliares das margens. Os barqueiros sabem disso, os guias também, a população também.
Só o governo insiste na loucura de tirar água de um rio que já agoniza.

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