terça-feira, 3 de março de 2009

Estória roubada

A família chega e se instala bem à minha frente, em Pajuçara, Maceió: pai, mãe e quatro filhos pequenos.
Logo o homem começa a gritar os filhos, a mulher, a dar ordens, senhor absoluto do negócio da família: o aluguel de bóias infantis, daquelas bem grandes, com formato de bichos, cadeiras, carros.
Enfileira um elefante, dois karts, uma poltrona, um batman e um jetski e começa a dar o preço: "é dois reais a hora".
E começa o estresse: "Samuel segura o elefante. Manuela anota o do kart. Jó, cadê a caneta?". Só ali na gerência da família e do negócio.
E eu, bem pertinho só aumentando minha curiosidade.
Puxo conversa com a mulher, com um bebê pendurado no seio: o pequeno mama e chora, chora e mama, mama e chora.
Vou perguntando e ela me diz que tem 26 anos, os quatro filhos com 10, 8, 4 e nove meses. E que o bebê chora muito porque é "dengoso".
Depois converso com o marido, quando a mulher vai ao mar. Ele se chama Daniel, tem 26 anos e está desempregado. Pergunto se os brinquedos são dele ou se ele trabalha para alguém.
Diz que foi o irmão, "que é dono de uma loja de celular", que comprou para ele trabalhar, enquanto não arruma "serviço". Me vem a lembrança da família de Fabiano, de Vidas Secas.
Daniel fica ali naquela peleja, driblando a ventania que insiste em carregar os brinquedos para longe, controlando o horário e gritando com os meninos para ajudarem.
Às 10h30 já estão almoçando: o bebê e o de 4 anos, Deivi, assim mesmo, sem d final e com ei. É um macarrão com uns pedaços de carne que Josefa (Jó) trouxe de casa. Comem todos numa baciinha de alumínio.
Em certo momento chego para Josefa, com uma nota de R$ 20 e digo a ela que preciso de um troco de R$ 10, por isso quero alugar um brinquedo com os outros 10 reais, mas não vou usar. Ela fala para o marido e ele me dá o troco e fica por ali, sem graça. Jó cochicha alguma coisa para a menina de 10 anos e ela vem me perguntar se pode usar o brinquedo alugado. Digo que sim, que eles podem fazer o que quiser. A mulher grita para os outros também pegarem as bóias, "porque a muler alugou o brinquedo proceis". E me agradece. Fico feliz de ver os meninos brincando e não trabalhando.
Os pais ficam por ali, sem graça, ele agora quieto, sem chamar o Samuel ou a Manoela para qualquer coisa, sem dar ordens, sem reclamar da caneta estragada.
E eu percebo que interferi num ecossistema humano que funciona perfeitamente sem minha ajuda, sem minhas conclusões.
Recolho minhas tralhas rapidamente, pago a conta, e vou embora sem graça.

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