sexta-feira, 13 de julho de 2007

A volta do mar de lama


Quando Carlos Lacerda cunhou a expressão “mar de lama”, para definir a corrupção no governo de Getúlio Vargas, especialmente o financiamento pelo Banco do Brasil, do Jornal Última Hora, com certeza não tinha idéia de que um dia ela seria literalmente empregada na realidade brasileira.
E foi, recentemente. Em 2006, em março, e em janeiro de 2007. Nesta última data, as cidades de Mirai e Muriaé, na Zona da Mata mineira, foram tomadas, especialmente a primeira, pelo mar de lama que escorreu da barragem estourada da mina Rio Pomba-Cataguases.
Foi uma cena de fim de mundo. Os campos, pastagens, bichos, gado, casas, ruas, tudo coberto pela lama da lavagem da bauxita. A lama navegou atingindo os rios Fubá e Muriaé, chegando a municípios do Rio de Janeiro. O desastre ambiental, digno de um filme de Spielberg, atingiu mais de seis mil moradores, 1.200 casas e interrompeu o fornecimento de água para mais de 100 mil habitantes só no Rio.
Pois bem, passados seis meses, a mineradora consegue a façanha de ter deferida, pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Copam), a Licença de Instalação (LI) de nova barragem, a do Bom Jardim. Contra os votos da Fundação Estadual do Meio Ambiente, que, na época do desastre queria até mesmo que a mineradora encerrasse suas atividades.
Essa nova barragem fica pouco acima daquela que rompeu em janeiro (São Francisco), também no Rio Mirai, e segundo a Feam, o local é potencialmente de risco. E a gente nem sabe se a empresa cumpriu aqueles compromissos todos com o Ministério Público, ou se pagou a multa imposta pelos órgãos ambientais mineiros, porque depois que passa o tempo, tudo é esquecido e não se fala mais nisso, até que um desastre maior se sobreponha.
O mais interessante disso tudo, é que a “grande” imprensa mineira não noticiou nada sobre a concessão da licença, efetivada no finalzinho de junho. Só um jornal de São Paulo e o MG TV.
A perspectiva de uma nova bomba-relógio sobre a população da Zona da Mata e da bacia do Rio Paraíba do Sul deve estar fazendo revirar no túmulo o grande compositor Ataulfo Alves (“laranja madura, na beira da estrada, tá bichada Zé, ou tem marimbondo no pé”), que escreveu uma das mais singelas homenagens a uma terra natal – “Meu pequeno Mirai” -
“Eu daria tudo que eu tivesse/ Pra voltar aos dias de criança/ Eu não sei pra que a gente cresce/ Se não sai da gente essa lembrança/ Aos domingos missa na matriz/ Da cidadezinha onde eu nasci/ Ai, meu Deus eu era tão feliz/ No meu pequeno Mirai/ Que saudade da professorinha / Que me ensinou o bê a bá/ Onde andará Mariazinha
Meu primeiro amor onde andará? / Eu igual a toda meninada / Quanta travessura que eu fazia/ Jogo de botões sobre a calçada / Eu era feliz e não sabia/ Eu era feliz e não sabia”.
Agora é esperar e torcer para “não ver”.

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