quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Os dois luízes

Pela pertinência, lucidez e oportunidade, publico o artigo do meu amigo, jornalista Márcio Metzker. Convido-os a mergulhar nesta análise crua e crucial.

Trajetória dos Luízes
@ Márcio Metzker - 11/12/07
Há 61 anos, nascia em Guaratinguetá (SP), numa família abastada, o menino Luiz Flávio Cappio, que optou pela carreira religiosa e se tornou frade franciscano. Em 1992, nomeado bispo de Barra, em Pernambuco, desceu o rio São Francisco da nascente até a Diocese que iria assumir, já perto da foz. Tomou conhecimento dos graves problemas sociais, econômicos e ambientais que afligem o rio e as populações ribeirinhas, e fez a clássica opção franciscana pelos pobres.

Há 62 anos, nascia em Garanhuns (PE), numa família pobre, o menino Luiz Inácio da Silva, que perseguiu muito calango e bebeu água de cacimba até subir num pau-de-arara e ir para São Paulo, com o objetivo de subir na vida, comprar sapatos de cromo, ter seu próprio carro e nunca mais passar fome na vida. Tornou-se sindicalista, foi preso, fundou um partido político e acabou se tornando presidente da República, com o conforto assegurado até o fim dos seus dias.

Em 1993, a trajetória inversa desses dois homens se cruzou, durante o percurso da Caravana da Cidadania pelo vale do São Francisco, em que comungaram os mesmos ideais de melhorar a vida dos ribeirinhos e salvar o rio das agressões ambientais que já eram evidentes. Lula adquiriu valiosos conhecimentos para suas ambições eleitorais. Dom Cappio ainda não era tão sábio quanto é hoje e acreditou na pureza das intenções do companheiro de marcha.

Esses dois homens hoje são antagonistas em tudo. Enquanto o bispo se eleva cada vez mais nas causas espirituais, Lula renega os compromissos com os velhos companheiros e afunda no mais lamentável fisiologismo. O objeto da disputa de ambos são as águas do São Francisco. Dom Luiz quer águas puras e abundantes espalhando vida e prosperidade para as populações sofridas. Luiz Inácio quer bombear o rio para beneficiar os agronegociantes e os coronéis da seca ligados ao compadre Ciro Gomes.

Em setembro de 2005, ambientalistas, hidrólogos e entidades de ribeirinhos esperneavam inutilmente contra o projeto de transposição, e Dom Luiz o paralisou sozinho com uma greve de fome que durou 11 dias. Desta vez, os mercadores do templo se encheram de coragem e resolveram começar a obra na marra, mandando o Exército Brasileiro cumprir mais este triste papel contra o povo nordestino, 110 anos depois de massacrar a população de Canudos e seu santo, o beato Antônio Conselheiro.

Dom Luiz é homem de opinião: começou outro jejum em 27 de novembro, e não deixou nenhuma dúvida de que entrega o corpo à sepultura e o espírito a Deus se o Exército não sair de Cabrobó e Itaparica e o governo não desistir da transposição. Luiz Inácio é cabra da peste, sustenta a dolorosa mentira de que a água é para beneficiar 12 milhões de nordestinos sedentos. Os abutres das empreiteiras, da indústria de cimento e das indústrias metal-mecânicas aguardam de bico aberto debaixo do poleiro presidencial.

Milhares de peregrinos visitam Dom Cappio por semana: além das pessoas comuns, pescadores, beiradeiros e índios, também ambientalistas, artistas, políticos, ativistas estrangeiros. A modesta igreja de São Francisco, em Sobradinho, tornou-se ponto de romaria. Sem querer, Lula está criando um novo Padim Ciço. Todos querem beijar-lhe a mão, pedir uma bênção, ouvir seus conselhos. No imaginário fervoroso do nordestino, surge um novo santo, culto e humanista como Mahatma Gandhi e mestre também da resistência pacífica.

Como jurou nunca mais passar fome, Luiz Inácio jamais apostaria com Dom Luiz quem resiste mais a um jejum. Se apostasse certamente perderia, mas a despensa do Palácio da Alvorada faria uma expressiva economia em iguarias. É quase certo de que o Governo não recuará, devido aos altos interesses instalados no Palácio do Planalto, e com isso se distancia definitivamente dos compromissos populares. É quase certo de que Dom Luiz morrerá, e quem mata um santo será para sempre amaldiçoado. A morte do Conselheiro, que era um inculto beato, em 1897, pesou sobre o presidente Prudente de Morais, que sofreu um atentado a bala durante o mandato e morreu de tuberculose em 1902.

3 comentários:

Anônimo disse...

É uma pena não estar sendo publicado também nos principais jornais do País...
Parabéns e abraço aos dois!
Do colega da ALMG, Thiago

flavia disse...

muito legal e pertinente a comparação! texto excelente!
bjs

Anônimo disse...

creio que dos dois luizes, o de pernambuco é o menos idiota. pois que, o descendente da santa inquisição, (todos eram obtusos), continua com sua santa ignorancia, obliterando o progresso, na verdade sem culpa racional, pensando que, ao subtrair, aytravés da transposição, meros 2% do liquido do não tão religioso e pouco equitativo rio sãofrancisco, iria beneficiar, solamente os mais favorecidos. isto, por certo, é produto de mente alienada e egocentrica, a qual não deixa refletir e vasculhar o passado daquelas populações que, não viviam à margem do são francisco nos tempos de antanho, más, sobreviviam, e muito mal, ás margens do dito cujo rio, donde, rios de especiarias abasteciam às cidades com prdutos advindos de portugal, os quais, certamente, os descendentes dos mesmos miseráveis de tenpos idos, terão a oportunidade de usufruir, com esta transposição, o que lhes foi negado, há centenas de anos. vá em frente lulinha de pernambuco. que morra el sancho pancha del sul. amém!